Quando pensamos na Revolução Constitucionalista de 1932, frequentemente lembramos dos grandes nomes, das batalhas épicas e dos símbolos que marcaram aquele período turbulento da história paulista. Mas há histórias menos conhecidas, porém igualmente importantes, que merecem ser contadas.
Uma delas é o papel fundamental desempenhado pela Loja Maçônica Firmeza, de Itapetininga, que se transformou em um verdadeiro hospital de campanha durante o conflito.
Um Hospital Improvisado, Uma Missão Sagrada
A Loja Firmeza não foi apenas um local de reuniões maçônicas durante a revolução – ela se tornou um Hospital de Passagem estratégico para os feridos que voltavam da frente de combate.
Ali, numa demonstração clara dos valores de fraternidade e solidariedade que norteiam a Maçonaria, era feita a triagem dos combatentes feridos, que depois eram redirecionados para outros hospitais conforme a gravidade de seus ferimentos.
Entre os que passaram por suas dependências estava Antenor de Oliveira Mello Júnior, pai do saudoso Irmão Afrânio Franco de Oliveira Mello, autor das memórias que nos trouxeram essa preciosa informação. Ferido em combate, ele foi atendido na Loja Firmeza antes de ser encaminhado ao Hospital da Escola Peixoto Gomide, onde completou seu tratamento.
Essa não foi uma história isolada ou exagerada pelo tempo. Diversos veteranos da Revolução de 1932, incluindo o respeitado Péricles Leonel Ferreira, confirmaram posteriormente o papel da Loja Firmeza como hospital de campanha, validando essas memórias familiares.

Um Reconhecimento Tardio, Mas Merecido
Por décadas, essa contribuição da Loja Firmeza permaneceu nas memórias dos que viveram aqueles tempos difíceis. Mas em 2012, oitenta anos após os eventos, veio o reconhecimento oficial.
A Sociedade Veteranos de 32-M.M.D.C. concedeu à Loja Firmeza a Medalha M.M.D.C. e uma placa comemorativa, em cerimônia pública que emocionou a todos os presentes.
Essa placa, afixada em uma das paredes da loja, permanece lá até hoje como um orgulho não apenas dos maçons da Firmeza, mas de todos os visitantes que conhecem sua história.
É um lembrete tangível de que, em momentos de crise, a solidariedade humana pode se manifestar das formas mais inesperadas.
A Maçonaria Paulista na Linha de Frente
A participação da Loja Firmeza foi apenas uma faceta da ampla contribuição da Maçonaria paulista à Revolução Constitucionalista.
O movimento teve suas raízes profundamente entrelaçadas com os ideais maçônicos, começando pelas reuniões preparatórias que aconteciam na sede do jornal “O Estado de São Paulo” – fundado por três maçons: Américo de Campos, Francisco Rangel Pestana e José Maria Lisboa.
Sob a liderança de Júlio de Mesquita Filho, também maçom, o jornal se tornou um centro de articulação do movimento.
As reuniões contavam com a participação de muitos jornalistas e maçons, como Paulo Duarte, que se tornaram próceres fundamentais da revolução.
Quando a revolta finalmente eclodiu em 9 de julho de 1932, os maçons não ficaram apenas nos bastidores.
Eles participaram ativamente tanto nos serviços de retaguarda quanto nas frentes de batalha, demonstrando que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade não eram apenas palavras bonitas em rituais, mas princípios pelos quais valeria a pena lutar.
As Consequências da Participação
Essa participação ativa na revolução não passou despercebida pelo governo Vargas. Quando o Estado Novo foi implantado em 1937, a Maçonaria pagou um preço alto por sua defesa dos ideais democráticos.
Em 1938, um decreto exigia que as lojas maçônicas eliminassem membros que professassem ideologias contrárias ao regime, chegando ao absurdo de propor a substituição do lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” por “Ordem, Fraternidade e Sabedoria”.
A própria Loja Firmeza teve suas atividades suspensas de outubro de 1937 a janeiro de 1940, período que ficou sem registro em seus livros de atas. Foi apenas em 20 de janeiro de 1940 que se cogitou pedir autorização policial para reabertura da loja – uma humilhação para quem havia servido o ideal de liberdade apenas alguns anos antes.
Um Legado que Permanece
Hoje, ao olharmos para trás, podemos ver que a participação da Loja Firmeza e de toda a Maçonaria paulista na Revolução de 1932 foi muito mais do que um episódio histórico.
Foi a demonstração prática de que, quando os valores democráticos estão em risco, há pessoas dispostas a transformar suas convicções em ações concretas.
A placa na parede da Loja Firmeza não é apenas uma decoração ou uma lembrança nostálgica. É um testemunho de que a fraternidade pode se manifestar no cuidado aos feridos, que a igualdade pode ser defendida com sacrifício pessoal, e que a liberdade é um ideal pelo qual vale a pena lutar – mesmo quando isso significa transformar um templo maçônico em hospital de campanha.
Os heróis de 1932, como bem disse o poeta citado no texto original, “não morreram, apenas dormem em vigilância eterna aos princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. E lugares como a Loja Firmeza nos lembram que esses princípios continuam vivos, esperando apenas que nova geração esteja disposta a colocá-los em prática quando necessário.
Link para Vídeo de 2012, Solenidade de inauguração de placa memorativa da condição de Hospital de Sangue, realizado na Loja Firmeza em 2012.
https://youtu.be/8-3GSAlEUtk?si=ivLtIMv-IazWGbKJ
Fontes:
- Livro Cruzes Paulista, edição de 2022, prefácio de Afrânio Franco de Oliveira Mello: Cruzes Paulistas
- Portal MMDC Itapetininga: Paulistas de Itapetininga