Saúde Mental em Meio ao Caos Digital

Quando alguém apresenta um estudo, profere uma palestra, ficamos ouvindo e nos atentamos a compreender as informações repassadas. Até que, sem perceber, nossos pensamentos começam a vagar em outras coisas, distintas do que estamos ouvindo. É como uma mudança de chave, algo que nem percebemos. Quando damos conta, tentamos trazer nossa atenção de volta à realidade, àquilo que estamos vivenciando. Manter o foco de pensamento é algo que julgamos ser natural, mas acaba sendo difícil com tanta distração ao redor.

A saúde mental nunca foi tão pesquisada nas últimas décadas, nunca se ouviu falar tanto em terminologias diferentes, como mindfullness, ou atenção plena na tradução para o português. Quem nunca aqui perdeu a linha de pensamento, o “fio da meada” após alguns minutos de informação contínua? Há muita coisa relacionada, desde causas patológicas até uma situação momentânea como o cansaço. Praticar assa atenção plena hoje é um desafio, mas há pouco tempo atrás, antes dos smartphones, era algo rotineiro. Íamos a lugares como médico ou banco e vivenciávamos o real significado de “esperar” para ser atendido. Reparávamos em tudo a nossa volta, na decoração da sala, nas pessoas, nas conversas. Se ficássemos entediados, líamos uma revista ou alguma propaganda próxima ou puxávamos conversa.

Como professor universitário, lido na maioria das vezes com jovens de 17 a 26 anos. Em minhas aulas vejo alunos à parte do que estava acontecendo em sala, ficavam dispersos, não demonstravam interesse; exceto ao celular. Tenho consciência que manter a atenção deles por mais de 30 minutos é algo muito difícil. Considero um grande feito o professor que mantém seus alunos em atenção ao conteúdo dado ao longo de uma única hora. É muito difícil, especialmente quando a informação que está sendo transmitida pode ser acessada na palma da mão de cada um deles. É fácil, “prof”! É só dar um Google! É informação fácil e acessível que não acaba mais, realmente tem de tudo e mais um pouco. Mitchell Kapor, um empresário norte americano e defensor do uso ético e acessível da tecnologia disse assim: “Obter informação na internet é como beber água de um hidrante”.

Por que nós, mas principalmente os mais jovens, estão tendo dificuldade em manter uma atenção plena? Essa foi a questão principal que me guiou neste estudo. Busquei informações em artigos científicos, reportagens e entrevistas publicadas com psicólogos, médicos psiquiatras, especialistas nas áreas de saúde mental, desenvolvimento cerebral e cognição. Nos materiais que selecionei, o fator determinante deste problema aparece em todas as fontes: o uso indiscriminado das redes sociais.

A psicóloga norte americana Jean Twenge, autora do livro “iGen” afirma que as crianças nascidas a partir de 2010 estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes e despreparadas para uma vida adulta em razão da tecnologia que está mudando não apenas a maneira como vivem suas vidas, mas também toda a estrutura da vida mental. Um termo bastante encontrado nos materiais que li para este Tempo de Estudos foi “Brainrot” que, na tradução livre, significa “cérebro apodrecido” ou “cérebro podre”. Esse termo é usado para descrever um estado de confusão mental e declínio cognitivo, resultado do uso diário e exagerado das telas. Bom, constatei que ainda não é uma condição médica reconhecida, mas é um fenômeno que julgo bem real depois da pesquisa que realizei. É por conta deste brainrot que especialistas dizem para você não acessar o celular na hora que for dormir…

Esse tal de brainrot é um problema para a sociedade em que vivemos? Sim, pelo simples fato, fisiologicamente natural, de que o cérebro se cansa quando é sobrecarregado. Quando assistimos a um programa na TV, no Youtube ou mesmo rolando telas no Instagram ou Facebook, nosso cérebro interpreta aqueles diversos cenários e sons. Há um período necessário para isso, para selecionar ou não a informação, transformando-a em uma memória duradoura ou não. Fisicamente, podemos até nos sentir bem, mas nossos pensamentos ficam desorganizados, em uma confusão mental, é esse o brainrot.

Rolamos a tela de celulares, mudamos o assunto e o processamento dele em questões de milissegundos! Começamos vendo algo sobre política; passamos o dedo na tela para cima e surge uma receita de dar água na boca; depois aparecem dois filipinos cavando um buraco no meio da selva para construírem uma casa com piscina só com barro, madeira e folhas; pessoas caindo em pegadinhas que a molecada de hoje chama de trolagem; depois um lugar à beira mar lindo; um maravilhoso lance de futebol; mensagem de um guru da internet; fotos perfeitamente ajustadas de conhecidos ou famosos que nos fazem sentir o ser mais esquisito do mundo. É muita infotoxicação! Mas por que continuamos a agir assim?

Bom, fui atrás de explicações. Pesquisei em bases científicas, como PubMed e Scielo, e encontrei alguns artigos por meio de busca direta; todos davam uma mesma explicação: a “culpa” é de um neurotransmissor chamado dopamina. Quando esta substância é liberada, seu efeito é a sensação de satisfação, de prazer. Em questões de milissegundos, a imagem é captada por nossos olhos e levada ao Sistema Nervoso Central por meio dos nervos ópticos; lá no encéfalo, em uma região chamada córtex occipital, essa imagem é processada, tendo como resultado uma descarga maciça de dopamina que nos satisfaz naquele momento. Ficamos satisfeitos? Não. Quanto mais você faz isso, mais você quer fazer. O seu cérebro associa o ato de rolar a tela com uma sensação de gratificação. E o pior, a dopamina é liberada mesmo quando estamos cientes das consequências negativas do ato, ou seja, isto se torna um vício comportamental.

Em um estudo realizado de 2020 a 2022 por pesquisadores da Universidade de Roterdam, acompanhou durante 3 anos 187 jovens entre 11 e 21 anos. A estes foram perguntados a frequência com que usavam redes sociais, sendo classificados em grupos de baixo (2 a 3 horas/dia) e alto uso diário (+ 4 horas/dia). Foi avaliado por meio de ressonância magnética (RM) a espessura de áreas do córtex cerebral, como o córtex pré-frontal, junção temporo-parietal e sulco temporal. O estudo identificou diferenças individuais no desenvolvimento estrutural do cérebro. Adolescentes com alto nível de uso de mídia social mostrou maior espessura cortical basal e consideráveis reduções nas regiões lateral e pré-frontal do córtex. O estudo então conclui que o bem-estar mental está diretamente associado ao desenvolvimento cerebral, uma vez que a espessura cortical é totalmente influenciada por fatores ambientais, como no caso, o uso de mídias sociais.

Em pesquisa realizada na Universidade de Chongqing na China, envolveu a participação de 3.036 estudantes chineses no primeiro e segundo anos do ensino médio. Os adolescentes eram usuários ativos do aplicativo TikTok. Foram investigados efeitos como depressão, ansiedade e estresse envolvendo o uso do TikTok com a perda de memória. Os resultados mostraram depressão e ansiedade em usuários frequentes de TikTok. Os resultados deste estudo também mostraram que os estudantes do sexo masculino apresentam sintomas mais intensos de depressão, ansiedade e estresse do que estudantes do sexo feminino; além da perda de memória.

Outro artigo, publicado em 2020, de autoria de pesquisadores do departamento de psiquiatria da UCLA, demonstraram o outro lado da moeda, indicando que o uso frequente de tecnologia digital também tem um impacto positivo significativo na função cerebral e no comportamento. Existem aplicativos, videogames e outras ferramentas online que podem beneficiar a saúde cerebral. Por meio de RM interpretaram que idosos que aprenderam a pesquisar na internet, apresentaram aumentos significativos na atividade neural cerebral. Certos programas de computador e videogames podem melhorar a memória, as habilidades multitarefa, a inteligência fluida e outras habilidades cognitivas. Alguns aplicativos e ferramentas digitais proporcionam autogestão, monitoramento, formação de competências e outras intervenções que podem melhorar o humor e o comportamento. Como exemplo, pesquisas na internet ativam circuitos neurais que controlam a tomada de decisões e o raciocínio; jogos de corrida melhoram a realização de tarefas simultâneas; jogos de ação aprimoram a atenção visual, o tempo de reação e habilidades de mudança de tarefas. Há também aplicativos para monitoramento cardíaco e respiratório; aplicativos psicoterapêuticos para monitoramento de humor, sono e apoio social.

Como descrito nestes três artigos científicos, o problema não está só relacionado com o tempo de tela e forma de uso da tecnologia, mas também com a qualidade do que vimos. Há também um outro termo em inglês chamado “doomscrolling”, doom (D-O-O-M), que pode ser traduzido como “rolagem da desgraça ou da ruína”. Trata-se do hábito de ficar procurando nas redes sociais ou em sites de notícias informações negativas ou perturbadoras, mesmo sabendo que isso pode ser prejudicial para o bem-estar mental. A pessoa que pratica o doomscrolling sente uma necessidade quase compulsiva de se manter atualizada sobre as últimas notícias ruins, o que pode aumentar a ansiedade e o estresse. Claro, os humanos tendem a priorizar e lembrar mais das informações negativas do que das positivas. Notícia ruim, chega rápido! Quando se encontra outra notícia angustiante, a busca por mais informações desanimadoras é estimulada. Esse doomscrolling pode dessensibilizar as pessoas aos estímulos negativos, dificultando a experiência de sentimentos positivos ou a obtenção de prazer de outras maneiras. Um estudo mostrou que o doomscrolling pode levar a níveis mais altos de sofrimento psicológico e níveis mais baixos de bem-estar mental. Outro estudo descobriu que pessoas com altos níveis de consumo de notícias negativas também têm pior saúde mental e até física. Quem de nós não se sente assim ao lermos notícias de cunho político ou efeito da violência na sociedade? Ficamos desanimados, cansados mentalmente.

A nossa autoestima também é afetada por todos esses hábitos. À medida que o número de interações sociais que ocorrem em sites de redes sociais explodiu, o mundo online tornou-se seu próprio universo social, especialmente para os jovens. Quantos “amigos”, “seguidores” ou “curtidas” você tem é visível para todo mundo, facilitando a queda na armadilha da comparação. Além disso, o bombardeio de postagens exibindo sucessos profissionais, férias exóticas, relacionamentos felizes e corpos perfeitos (que na ampla maioria são manipulados digitalmente por meio de filtros), pode levar a um discurso interno negativo. O cérebro fica tão confuso com a superestimulação constante que luta para distinguir a verdade da ficção. A autoestima pode sofrer, levando a níveis mais altos de estresse, ansiedade e depressão. Essa infotoxicação também nos deixa mais vulneráveis a acreditar em informações falsas ou enganosas. Com tantas vozes competindo por nossa atenção, é fácil se perder no meio de opiniões não verificadas e dados imprecisos, o que pode alimentar desinformação e preconceitos. Em vez de nos tornarmos mais bem informados, acabamos por vezes mais confusos e divididos.

As redes sociais são, sem dúvida, uma das principais fontes da infotoxicação. O consumo contínuo e indiscriminado de conteúdos pode ter um impacto negativo na nossa capacidade de concentração e no nosso bem-estar emocional. E a comparação constante com a vida dos outros, as notícias sensacionalistas e as polêmicas diárias só aumentam nossa sensação de ansiedade e inadequação. Encontrar o equilíbrio entre estar informado e não se sobrecarregar é a chave para evitar todos esses males. Pesquisei e felizmente encontrei, 5 práticas para encontrar esse equilíbrio, vamos lá:

  1. Desligue as notificações no celular:

As notificações são um dos maiores culpados pela distração digital. Desligue as notificações de aplicativos desnecessários e apenas ative aquelas que são realmente importantes para você.

  • Planeje o seu tempo de tela:

Defina horários específicos para verificar suas redes sociais e e-mails. Evite checar o celular a cada poucos minutos e, em vez disso, estabeleça períodos dedicados a essa tarefa.

  • Aprenda a dizer não:

Não se sinta obrigado a participar de todas as conversas ou discussões online. Aprenda a dizer não e a se afastar de situações ou grupos que não agregam valor à sua vida.

  • Foque naquilo que é essencial:

Concentre-se nas informações que realmente importam para você. Evite se perder em conteúdos irrelevantes e direcione sua atenção para o que é significativo e relevante. Coloque um pouco de “estoicismo digital”, pratique essa virtude de forma online também.

  • Pratique o desapego digital:

Saiba que é perfeitamente normal não estar atualizado sobre tudo o tempo todo. Diga simplesmente, “não sei”, “não vi”, “não prestei atenção”, “não li”. Permita-se desconectar e perceber que o mundo não vai acabar se você perder uma ou outra notícia ou não postar o que está comendo.

Enfim, ninguém fará esses ajustes para você. É preciso disciplina e, sobretudo, atenção constante para perceber quando você está sendo dominado pelas telas. Cada segundo que você ou seu filho(a) passa nas telas, como um zumbi rolando pelos videozinhos do TikTok, Instagram ou YouTube é um segundo de sua vida que foi embora. Façamos valer a pena nossos dias. Vivencie o real, não viva de curtidas de uma postagem.

Referências bibliográficas:

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SOUZA, P. Saiba o que é mindfulness, para que serve e como praticar. 2020. Disponível em < https://voitto.com.br/blog/artigo/mindfulness?gad_source=1&gclid=CjwKCAjw 6JS3BhBAEiwAO9waF6TB5KeCeh8y4RT5y6Y-D7BR_GY2IuiIrqAeUwSIj2k2SriMq t6FZBoC5cEQAvD_BwE>.

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