Autor: Marildo Passerani – M∴I∴ da ARLS Aliança Fraterna, n. 3675, de Cubatão e Coordenador de História, da Grande Secretaria de Educação e Cultura do GOSP.
É sempre um inspirador momento de nossas Sessões, chegado o mês de setembro de cada ano, em que fazemos uma digressão e lembremos a efeméride da Independência do Brasil, buscando a identidade dos ideais da construção do Estado Nacional Brasileiro com os ideais da nossa Sublime Instituição. Notório também é o esforço de muitos de nossos autores, num labor beneditino e silencioso, ao associar os fatos e eventos daquele glorioso ano de 1822 com os Pedreiros Livres e abrilhantar ainda mais a pujante História da Maçonaria Brasileira.
Clio, a Musa da Memória, se retratada como uma jovem coroada de louros, eventualmente pode ser uma amarga traída: a História muitas vezes deve ser embelezada, malgrado os fatos sejam menos heroicos e retumbantes. Se a História pode mostrar-se mais crua, a construção do arquétipo do Herói acaba prevalecendo, afinal, buscamos uma identidade sobre-humana e virtuosa daqueles cujo exemplo nos esforçamos em seguir.
Devemos começar compreendendo que nossa Instituição também é filha dos Tempos em que floresce: misteriosa, enigmática e esotérica nos princípios do século XVIII e, nesta mesma centúria, revolucionária, levando as Luzes da Ciência e da Razão a todos os Povos; secreta e conspiradora, articuladora nas sombras, no evolucionário século XIX; repositória do Poder e dos Governantes, no Brasil da República Velha.
Porém, no século XXI, apresenta-se discreta, benemerente, progressista e científica, num mundo em permanente evolução. Somos filhos diletos do Iluminismo oitocentista e nunca perdemos essa bagagem ideológica.
Por que Século das Luzes? O Movimento ocorrido no século XVIII recebeu o nome de Iluminismo, pois os filósofos daquela época consideravam sua missão “iluminar o mundo com as Luzes da Ciência e da Razão”, afastando-se das antigas ideias sobre a Fé que pautava o cotidiano e a existência humana, e as ideias sobre o Estado Absolutista. E também nunca perdemos a capacidade de articulação e principalmente de conspiração.
Conspiravam os Maçons no passado pelas Liberdades de Pensamento, pela Liberdade de Fé, pela Liberdade de Propriedade; conspiram hoje os Maçons não apenas pelas mesmas Liberdades as quais lutamos no passado, mas pelo desejo inato de todos os nossos Irmãos de um Mundo Livre, Igualitário e Fraterno.
A História chama o século XVIII de Século das Luzes: é nele que decorre um dos mais importantes movimentos filosóficos e intelectuais da Humanidade, marcado por uma visível separação entre o Antigo e o Moderno. Por isso, no século XIX, quando os historiadores fizeram a conhecida Divisão dos Períodos Históricos que estudamos na escola, a fase entre as Grandes Navegações que levaram ao Descobrimento da América e a Grande Revolução Francesa é chamada de História Moderna. Moderna, pois era o rompimento entre as ideias medievais, antigas, de um Mundo que já não existia, pois era pautado por um comércio internacional e transoceânico, onde as antigas ideias da Igreja e de um Rei dono de toda uma Nação já não tinham mais lugar.
Voltemos a nossos bravos e intimoratos Irmãos do início do século XIX.
Era o desfecho da Era das Revoluções, que havia varrido a Europa e cujos ecos chegavam ao Novo Mundo. A Liberdade tornava-se a pauta de todas as falas, de todos os pensamentos, de todas as ações. A célebre frase de Tocqueville na tribuna da Assembleia Francesa, quase meio século após iniciado o século XIX, seria a mais perfeita definição daqueles tempos: “Estamos dormindo sobre um vulcão. Os senhores não percebem que a terra treme mais uma vez? Sopra o vento das revoluções, a tempestade está no horizonte”. E os ventos da Liberdade, ecoados da Marselhesa, chegavam às praias do Brasil, trazidos, curiosamente, pela Família Real Portuguesa.
Em janeiro de 1808 arribava, nas praias da Capitania da Baía de Todos os Santos, uma significativa parte da Coroa Portuguesa: o Príncipe Regente de Portugal e dos Algarves, Dom João. Viera a bordo dos navios que transladavam a Corte dos Bragança, fugidos da implacável invasão
francesa que chegara a Lisboa no início de dezembro de 1807. Não fora uma viagem fácil, e os historiadores ainda hoje não acordam sequer quantos o acompanhavam. Sabe-se, porém, que ele trouxera todas as economias do Reino, os documentos da Torre do Tombo, seus livros e objetos de arte mais valiosos. Se salvara a cabeça, temeroso de acabar como o inepto, porém desafortunado Luís XVI, Dom João sacrificava seu futuro em Portugal e optara pela segurança do seu reinado nos trópicos.
Inopinadamente, viera em sua bagagem também toda a tradição maçônica revolucionária de Portugal, a qual se somariam, nas terras tupiniquins, os antigos Corpos Maçônicos que já prosperavam na Colônia desde a diáspora dos areopagitas de Manuel Arruda Câmara em 1802.
No Brasil, o zelo de Portugal ao reprimir e impedir o estabelecimento dos chamados Pedreiros Livres mostrava ainda assim suas falhas, pois na Bahia e em Minas Gerais ocorrem importantes revoltas, onde ficou muito claro que a América Portuguesa não estava imune à tempestade que se abatia na Europa. O célebre Alvará de 18 de abril de 1818, esteira da repressão da Revolução Pernambucana de 1817, declarava “criminosas e proibidas todas e quaisquer Sociedades Secretas”, mas não arrefeceu o fervor e o zelo com que os Maçons agiam no Brasil; outrossim, com a partida de Dom João VI para Portugal, em 1821, as Lojas vicejavam livremente, conspirando pela Independência.
As guerras e revoluções na Europa pareciam naquele momento distante dos colonos brasileiros, e a presença ilustre da Casa Real de Bragança havia pacificado a Colônia. Porém, a derrota de Napoleão e as Revoluções em Portugal, em 1820, obrigaram Dom João VI a retornar a Lisboa. Deixa aqui seu filho primogênito e sucessor, Pedro de Bragança, que sabe que o Brasil tem um futuro grandioso e quer ficar afastado de uma Europa que, estabilizada pelo Sistema Metternich, começa a ficar decadente.
Cercado de amigos fiéis, homens ilustrados e adeptos do Iluminismo, o Príncipe Pedro acaba sendo o personagem principal da Independência. Ele é também um Iluminista, assessorado por homens como José Bonifácio de Andrada e Silva, Gonçalves Ledo, Cônego Januário da Cunha Barbosa, José Clemente Pereira.
A Maçonaria brasileira, até então proibida e fortemente perseguida pela Coroa Portuguesa, recebe com as maiores honras, em agosto de 1822, o Príncipe Regente, que se torna seu Grão Mestre, sob o Nome Heroico de “Guatimozim” em homenagem ao último imperador dos Astecas na região de Anahuac, área atual do México, que após supliciado, foi amarrado e lançado sobre brasas até morrer, em 1522, pelos invasores espanhóis liderados por Hernán Cortez.
Pedro de Bragança sinalizava, ao escolher um Imperador caído, martirizado pelos colonizadores, disposto a dar sua vida em suplício pelo Brasil. Fizera isso como uma resposta ao título de “Defensor Perpétuo”, que a Maçonaria lhe outorgara, em 13 de maio de 1822. Recusara o de “Protetor”, com uma altiva humildade: “O Brasil não precisa de proteção de ninguém, protege-se a si mesmo. Aceito, porém, o título de Defensor Perpétuo e juro mostrar-me digno dele enquanto uma gota de sangue correr nas minhas veias”.
O grupo de Gonçalves Ledo, por meio do Revérbero Constitucional Fluminense, seduzia o Príncipe: “Não desprezes a glória de ser o fundador de um novo Império! Príncipe, as nações todas têm um momento único, que não torna quando escapa, para estabelecerem os seus governos”.
E Ledo, assentado no Trono de Salomão, na imortal 14.ª. Sessão, proferira proféticas e pétreas palavras a respeito das exigências das Cortes de 1821: “deverá, primeiro, declarar rebelde a Razão, que prescreve aos homens não se deixar esmagar pelos outros homens; deverá declarar rebelde a Natureza, que ensinou aos filhos a se separarem dos seus pais, quando tocam a época de sua virilidade; é mister declarar rebelde a Justiça, que não autoriza usurpação, nem perfídias; é mister declarar rebelde o próprio Portugal, que encetou a marcha de sua monarquia, separando-se de Castela…”
Independente de Portugal, coroado seu Imperador, iniciava o Brasil a sua marcha entre as Nações do Mundo. Divergente de suas Irmãs americanas, filhas também da mesma Maçonaria de Simon Bolívar, José de San Martin, Francisco de Miranda e Antônio José de Sucre, o Brasil surgia sob as Luzes da Maçonaria, abraçando os ideais imortais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, mas sob o Diadema Imperial, estava o Grão Mestre da Maçonaria.
Dentro e fora da Maçonaria, havia dois projetos de Brasil: um, era o projeto de José Bonifácio, de uma Monarquia Parlamentarista, ao modelo da Inglaterra; outro, o projeto de Gonçalves Ledo, de uma Monarquia transitória, que culminaria com uma República Federativa.
Os eventos de agosto e setembro de 1822 mostraram que ambos os projetos eram inviáveis, pois o protagonista – Pedro de Bragança – era ainda um monarca europeu e preso às antigas tradições absolutistas. Os eventos seguintes, entre o final de 1822 e novembro de 1823, mostraram aos Maçons que haveria ainda um longo percurso para que o Brasil abandonasse a herança colonial.
A Independência se fez, embora o modelo político vigente passasse bem ao largo das aspirações e das vontades dos Maçons brasileiros: o Brasil ainda seria uma Monarquia que imitava Portugal, até 1889; os antigos problemas que mostravam o atraso – o modelo agrícola, que fazia do Brasil um agroexportador de alimentos e matérias-primas, deixando-o por quase cem anos ainda na periferia do Capitalismo Internacional, a concentração de terras e recursos nas mãos de uma elite, e principalmente a dolorosa chaga da escravidão humana – continuavam vivos e palpáveis numa sociedade que ainda teimava em ser colonial.